terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Animais marinhos: o que fazer quando encontrar um fora de seu habitat?


Na última semana de janeiro de 2014, li em um grupo do Facebook um pedido de auxílio para destinação de um pinguim que foi encontrado no quintal de uma moradora da cidade de Itanhaém (litoral sul do estado de SP). A publicação informava que o animal estava há mais de 24 horas no local, muito embora uma solicitação de resgate ao Aquário de Santos já tivesse sido feita no dia anterior, e, até então, ninguém havia comparecido para que fosse providenciada sua retirada.

Fonte: divulgação em rede social (Facebook) / arquivo pessoal 

Quando temos o conhecimento de uma notícia como essa, a primeira impressão é que se trata de mais um caso de DESÍDIA dos órgãos públicos, já que o Aquário Municipal de Santos é subordinado ao Departamento de Parques da Secretaria Municipal de Turismo da cidade de Santos (SP). No entanto, investigando um pouco mais sobre a competência e atribuições do Aquário, foi constatado que o mesmo não realiza resgate de animais fora do município de Santos, pois há uma impedição legal para que atue no resgate de animais  que estejam em outra cidade. Sendo assim, nesse caso o dever legal de resgatar o pinguim seria da Polícia Militar Ambiental, Secretaria Estadual de Meio Ambiente e IBAMA, portanto, todas as solicitações de auxílio em casos semelhantes devem ser direcionadas a esses órgãos. 

Como na época não consegui o contato com a moradora que tinha o pinguim em seus cuidados, não há como saber sua versão dos fatos e a razão que a motivou em publicar essa denúncia infundada. Porém, o que se soube através dos funcionários do Aquário de Santos é que foi informado à munícipe sobre a impossibilidade de buscarem o animal visto que SOMENTE a Polícia Militar Ambiental estaria autorizada a manejar animais silvestres encontrados na natureza. Portanto, todo desdobramento posterior à postagem feita pela denunciante foi devido à informações incongruentes e desencontradas.

A atitude da moradora de Itanhaém acarretou uma grande confusão envolvendo o nome da instituição, maculando o trabalho e dedicação dos funcionários do Aquário de Santos, algo realmente desnecessário e que, de fato, não resolveu sua situação. 

Como a denunciante fez a publicação em um grupo do Facebook é impossível mensurar o número de pessoas que as potagem alcançou, ou seja, é possível que a falsa informação tenha atingido centenas, milhares de pessoas. Tratando-se de uma inverdade, pois estando legalmente impedido de resgatar animais fora de seu limite territorial, é fato que o Aquário de Santos não informou à moradora de Itanhaém que resgataria o animal em seu poder, e assim, a denunciante correu o risco de responder criminalmente por difamação.


Devemos ficar muito atentos com denúncias divulgadas em redes sociais, tanto no que se refere à sua postagem direta, como quando compartilhamos esse tipo de notícia. Nesse caso em especial a realidade dos fatos foi nitidamente distorcida a fim de que a situação da moradora de Itanhaém fosse resolvida da forma mais rápida possível, e embora tenha conseguido destinar corretamente o animal alguns dias depois, se a publicidade do fato houvesse sido feita de uma outra maneira atingiria o mesmo fim e nenhuma instituição / profissionais seriam injustamente culpados por ineficiência e desídia. 


Mas... o que realmente aconteceu com o pinguim?
Trata-se o animal em questão de um pinguim-de-magalhães (Spheniscus magellanicus), espécie característica de águas temperadas e de climas frios (entre 15C e abaixo de zero), que habita as zonas costeiras da Argentina, Chile, Patagônia e Ilhas Malvinas, e devido à migração, muitas vezes é encontrado na costa brasileira.

Fonte: www.ninha.bio.br

Primeiramente esse pinguim foi resgatado na praia de Campos Elísios, em Itanhaém, no litoral de São Paulo e posteriormente levado para alto mar pelos bombeiros, mas 15 minutos depois acabou retornando para a faixa de areia, chamando a atenção dos banhistas. Preocupada com o estado de saúde do animal, uma senhora considerou por bem acolhê-lo em sua residência e o alojou numa piscina de plástico, com pouca quantidade de água.

Posteriormente à denúncia feita em redes sociais anteriormente relatada, o pinguim foi resgatado pela Polícia Militar Ambiental, que o encaminhou para o Aquário Municipal de Peruíbe, uma cidade mais próxima de Itanhaém, também localizada no litoral sul paulista. O animal se encontrava parcialmente debilitado, e recebeu os primeiros atendimentos da equipe de biólogos e veterinários, que incluíram a aplicação do soro, antibiótico e uma alimentação adequada.

Ao examinarem o animal, os profissionais verificaram que o pinguim possuía uma anilha em sua nadadeira e através dela, puderam saber um pouco de sua história: no dia 17 de janeiro deste ano foi realizada a soltura de 37 animais reabilitados pelo Instituto Argonauta de Ubatuba, sendo que deste total, três deles já foram encontrados em praias da região.

O biólogo do Aquário de Peruíbe, Thiago Augusto Nascimento, destaca que é comum a presença dessa espécie de pinguins na costa brasileira, especialmente no litoral paulista. “Os pinguins recém-nascidos recebem alimentos do pai e da mãe nos primeiros três meses de vida. Após esse período, o filhote sai para caçar o seu próprio alimento, que é uma anchoveta, semelhante à uma sardinha, e em alguns casos acaba se perdendo do grupo familiar até chegar a outros lugares”, diz.
Após os primeiros procedimentos de tratamento, o pinguim foi transferido na manhã do dia 23/01/2014  para o Aquário Municipal de Santos, no litoral de São Paulo, onde foi dada a continuidade ao trabalho de reabilitação do animal.
Fonte: divulgação em rede social (Facebook) / arquivo pessoal 

O biólogo responsável pelo Aquário de Peruíbe, Thiago Nascimento, deixou a seguinte mensagem no pedido de auxílio postado no Facebook: 

"Recebemos nesta tarde no Aquário de Peruíbe este pinguim que foi resgatado por você. Observamos que o animal possui uma anilha de identificação, demostrando que o mesmo já foi resgatado por outra instituição. Nossa veterinária Anna Carolina Nascimento realizou os primeiros atendimentos ao animal, que aparentemente está cansado, provavelmente devido às altas temperaturas nesta época do ano. Contatamos os profissionais responsáveis pela soltura deste animal na cidade de Ubatuba no dia 17/01/2014 e fomos informados que, além dele, já foram encontrados outros exemplares em São Sebastião e em Santos. Como já havíamos comentado, o Aquário Municipal de Santos possui esta espécie e o tipo de quarentena especializada para pinguins; portanto, amanhã o animal será transferido para lá pela viatura da Policia Militar Ambiental. Gostaríamos de salientar que realizamos a reabilitação de pinguins quando eles aparecem no inverno (época comum que ocorre aparecimento de animais em nossas praias), porém mantê-los aqui no Aquário de Peruíbe no verão é muito difícil por conta do calor.
Muito obrigado e estamos à disposição. 
Atenciosamente, biólogo responsável pelo Aquário de Peruíbe".


Pinguim foi atendido no Aquário Municipal de Peruíbe, SP 
Foto: Divulgação / Prefeitura de Peruíbe


O que fazer ao encontrar um pinguim?
IPRAM - Instituto de Pesquisa e Reabilitação de Animais Marinhos é uma associação civil sem fins lucrativos que, dentre suas principais atividades, realiza a reabilitação de pinguins, trabalhando em conjunto com entidades governamentais nas esferas federal e estadual. Em sua página na internet há orientações para a população que encontrar um pinguim:

1. O pinguim está nadando na praia
Caso você veja um pinguim nadando próximo à praia, fugindo das pessoas, nadando entre os barcos, ativo e esperto; não tente capturá-lo, deixe-o livre. Ele ainda está saudável, não necessita ser resgatado e você pode se ferir na tentativa. O pinguim só deve ser capturado em caso de encalhe. Afaste-se para permitir que ele venha para a praia caso esteja debilitado; do contrário ele vai ficar com medo e não vai sair da água.

2. O pinguim já foi capturado!
Se pinguim estiver fraco, boiando próximo às pessoas, “capotando” nas ondas, sendo jogado contra as pedras, ou cansado na areia da praia, ele provavelmente será capturado por banhistas e curiosos.
Guarde-o em uma caixa de papelão forrada com jornal ou pano, mantenha-o SECO e AQUECIDO, e afastado dos curiosos. Se possível, próximo a uma lâmpada incandescente para ajudar no aquecimento, ou garrafas contendo água aquecida. Se esses cuidados não forem tomados, ele poderá morrer. Não o molhe, nem o coloque para nadar. Não tente alimentá-lo, não o manipule e não deixe que crianças encostem nele.

Fonte: http://ipram-es.blogspot.com.br/2010/07/como-ajudar-o-pinguim.html 

3. Por que não devo colocá-lo no frio?
Os pinguins de Magalhães não vivem no gelo da Antártida; eles são originários da Patagônia, no extremo sul do nosso continente, e possuem temperatura corporal entre 38,5 e 41ºC. Em nosso país eles chegam cansados, desnutridos e com frio, pois esgotaram suas reservas energéticas. Pessoas bem intencionadas que colocam pinguins em locais frios os levam a óbito por hipotermia.

4. Por que não devo molhar o pinguim?
Não molhe o pinguim. Ele perdeu a sua capacidade de isolamento térmico e impermeabilidade. Se você o molhar ele continuará encharcado e com frio, podendo morrer.

5. O pinguim está com o corpo manchado por óleo!
Use algum tecido para manipular o pinguim. Não use luvas de borracha ou látex. Não deixe o óleo entrar em contato com sua pele. Não tente remover o óleo em hipótese alguma. Mantenha-o em ambiente seco, aguardando o resgate.

6. Devo dar comida para o pinguim?
Não. No primeiro contato eles costumam ter medo dos humanos, e a tentativa pode estressá-los ainda mais. Além disso os espinhos de um peixe mal posicionado ou de uma espécie errada pode lesionar a boca. Ele devem ser alimentados por uma equipe capacitada.

7. Como devo transportar o pinguim?
Caso seja extremamente necessário, quem for transportar o pinguim em algum veículo não deve colocá-lo no porta malas ou em compartimentos abafados, pois ele morrerá no calor excessivo. Transporte o pingüim como você transportaria uma criança, pois ele também precisa de ventilação e temperatura amenas. Leve-o de preferência dentro de uma caixa aberta, no banco dos passageiros. Atenção com as fezes, que podem atravessar o fundo de caixas de papelão. Transporte-o apenas se for a última opção, e em trajetos curtos, até entregar à autoridade competente, pois é necessário possuir uma licença específica para capturar e transportar animais selvagens.

8. Para onde levar o pinguim?
Informe os órgãos ambientais locais sobre o encalhe do pinguim. Eles irão encaminhá-lo ao local apropriado e autorizado mais próximo ao seu município, ou irão acionar os responsáveis pelo recolhimento. É importante lembrar que o encalhe de pinguins mortos também pode ser comunicado aos órgãos oficiais, pois a análise desses dados colabora para a investigação do fenômeno.


Porém, vale ressaltar as informações fornecidas pelo Gremar Resgate E Reabilitação: "O aquário de Santos não faz resgate, nesse caso o melhor a ser feito é levar o animal para um posto de Guarda- vidas, Policia Militar Ambiental ou ligar no nosso numero de resgate 13 78070948 e nunca levar para casa". 

Zoonoses: o Pinguim-de-Magalhães e a Aspergilose 
Já foram relatados casos de transmissão de fungos do gênero Aspergillus a seres humanos onde os hospedeiros eram pinguins-de-magalhães. A transmissão mais comum ocorre por vias aéreas, em lugares fechados e mais ocorrente em indivíduos com imunidade reduzida / imunossuprimidos. Portanto, é importante evitar ao máximo evitar a permanência com esses animais em lugares fechados e seu transporte em veículos particulares, em virtude do perigo do contágio.

Infelizmente a comunidade médica ainda possui bastante dificuldade em diagnosticar casos de zoonoses e com a aspergilose não é diferente: os sintomas são frequentemente associados à uma forte gripe ou pneumonia, e assim, com o tratamento inadequado (ao invés de serem ministrados antifúngicos, são receitados antibióticos e xaropes expectorantes), a doença pode evoluir levando o paciente à óbito.

O resumo do artigo intitulado "Aspergilose em Pinguim-de-Magalhães (Spheniscus magellanicus)"* descreve a evolução de um caso da doença em um animal que se encontrava em reabilitação em um Centro de Recuperação de Animais Marinhos no Rio Grande do Sul:

"A aspergilose é causada por fungos do gênero Aspergillus, acometendo principalmente o trato respiratório. O trabalho relata um caso de aspergilose em um pingüim-de-Magalhães em reabilitação no Centro de Recuperação de Animais Marinhos (CRAM) de Rio Grande (RS, Brasil). A ave foi encaminhada ao CRAM debilitada, permanecendo em cativeiro durante 28 dias. Devido à gravidade do quadro clínico, o animal foi submetido à eutanásia e necropsia, quando foram observados nódulos branco-amarelados nos pulmões e siringe, e colônias fúngicas nos sacos aéreos, fígado e rins. O diagnóstico de aspergilose por Aspergillus fumigatus foi confirmado por exame micológico e histopatológico. Este relato alerta para a importância da aspergilose como fator limitante na reabilitação de pingüins".


Já o artigo intitulado "Alterações Clínicas e Patológicas da Aspergilose em Pinguim-de-Magalhães (Spheniscus magellanicus)"**, relata em seu resumo:

"Uma série de 15 casos fatais de aspergilose em pinguins (Spheniscus magellanicus) foi observada durante um período de quatro anos em um centro de reabilitação no Sul do Brasil. Os achados clínicos e patológicos das lesões encontradas na necropsia são aqui descritos. A maioria dos animais (11/15) teve morte súbita sem evidenciar sinal clínico prévio. Em 33,3% (5/15) dos casos, aspergilose estava restrita ao trato respiratório e 66,6% demonstrou doença disseminada, com envolvimento hepático, renal, de glândulas adrenais e trato gastrointestinal. Lesões típicas se caracterizaram por nódulos granulomatosos branco-amarelados. De acordo com a literatura consultada, essa é a maior série de casos de aspergilose descrita em pinguins na América do Sul.

                   Fonte: http://www.revistas.ufg.br/index.php/vet/article/view/4014/9707

Conforme relata o capítulo 5, intitulado "Aspergilose: do diagnóstico ao tratamento" do curso de Micoses de publicado no Jornal de Pneumologia***:

"A aspergilose é uma doença multifacetada cujas manifestações clínicas são determinadas pela resposta imune do hospedeiro; podem se apresentar de forma alérgica, saprofítica ou invasiva".  
"Aspergillus spp. é um fungo de distribuição universal na natureza, cuja fonte de contágio mais comum é a via aérea, e que emergiu como causa de infecção grave com risco de vida em pacientes imunodeprimidos". "Historicamente, o A. fumigatus é o agente mais comum das várias formas de manifestação da aspergilose".

                                              Aspergullus fumigatus: fungo frequentemente associado à aspergilose pulmonar.
                                                 Fonte: http://www.alunosonline.com.br/biologia/aspergilose-pulmonar.html

É muito comum que particulares, ao se depararem com animais silvestres com dificuldades, tendam a auxiliá-los levando-os para sua residência e, ainda, tratando-os como verdadeiros "pets". No caso da aspergilose, macroscopicamente não há como se afirmar que o animal está infectado, portanto, ao manejar um animal silvestre (principalmente aves), tome os seguintes cuidados:

- ao encontrar um animal silvestre, não o mantenha em lugares fechados, protegidos da ação de chuvas e raios solares, pois essas condições tendem a aumentar a disseminação do Aspergillus;

- se houver extrema necessidade em manter um animal silvestre sob seus cuidados até a entrega ao órgão competente, ao limpar a caixa / gaiola onde o mesmo está proteja a região do nariz e boca com um pano ou máscara cirúrgica; 

- não transporte animais em veículos particulares, e se realmente for necessário, mantenha janelas abertas para diminuir o risco de contágio por vias aéreas;

-  se após o contato com um animal silvestre você apresentar os sintomas da Aspergilose (tosse, febre, dor no tórax, expectoração purulenta, falta de apetite e emagrecimento muito rápido), procure imediatamente um centro médico e relate o ocorrido e sua suspeita. O diagnóstico confirmatório se dá por meio de tomografia tomografia computadorizada de tórax, análise de culturas do escarro do paciente ou pela detecção da presença do fungo nos brônquios e/ou pulmão, geralmente por meio de biópsia. Em São Paulo o Hospital Emílio Ribas é referência no diagnóstico e tratamento de enfermidades ocasionadas por fungos.


Fontes: 

- Aquário de Santos (SP)
http://www.vivasantos.com.br/aquario/info/main.htm

- *Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP
http://www.fmvz.unesp.br/rvz/index.php/rvz/article/view/506

- Gremar (Guarujá - SP)
http://www.gremar.org.br/

- ***Jornal de Pneumologia
http://www.jornaldepneumologia.com.br/detalhe_artigo.asp?id=527

- IPRAM (ES)
http://ipram-es.blogspot.com.br/2010/10/amigos-dos-pinguins.html
Telefone: (27) 3286 0135
Plantão 24h: (27) 9 9865 6975
E-mail: contato@ipram-es.org.br

- **Revista UFG
http://www.revistas.ufg.br/index.php/vet/article/view/4014/9707

http://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2014/01/pinguim-e-resgatado-volta-para-areia-e-e-acolhido-por-mulher-em-casa.html

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