segunda-feira, 2 de julho de 2012

O urutau é migratório no S e SE?

Por Octavio Campos Salles


Lembro quando morava em um bairro mais afastado de Campinas, em Barão Geraldo, que nas noites quentes de verão era comum ouvir o melancólico e meio fantasmagórico canto do urutau (Nyctibius griseus), também conhecido como mãe-da-lua. Com o tempo eu achei dois urutaus que praticamente todo dia dormiam nas mesmas árvores, permanecendo absolutamente imóveis durante o dia, fingindo ser um galho quebrado. Durante a noite eles saiam para caçar mariposas e outros insetos grandes, utilizando poleiros em locais mais abertos.

Mas com a chegada dos meses mais frios os urutaus simplesmente sumiam. Não ouvia mais seus cantos e nem os bichos estavam lá nas árvores de sempre. Simplesmente desapareciam repetinamente, apenas para voltar nos exatos mesmos galhos no verão seguinte. Na hora eu já saquei que provavelmente eles migravam, principalmente quando fui pro Pantanal em Junho e Julho e vi muitos urutaus lá. É até de se entender a migração, afinal essa ave depende de grandes insetos voadores para sobreviver, e esses grandes insetos simplesmente desaparecem daqui da região no inverno, pelo menos a grande maioria. Se o urutau ficasse aqui, possivelmente passaria fome.



De vez em quando comentava isso com amigos ornitólogos e alguns eram meio céticos, até porque não existe nada na literatura que confirme isso, pelo contrário, no Handbook of the Birds of the World por exemplo fala que a aparente ausência de urutaus na região Sul no inverno deve ser devido ao fato do bicho parar de cantar, e não uma migração. Resolvi analisar isso um pouco mais a fundo, por curiosidade, e fiz uma rápida pesquisa de registros da espécie no Wikiaves. O site, apesar de não ter rigor científico, já possui um número amostral tão grande feito por seus inúmeros usuários que pode sim servir como base pra estudos desse tipo.

O que eu vi não foi uma surpresa pra mim. Praticamente todos os registros nos estados do RS e SC são de setembro a abril, com a maioria dos registros entre outubro e fevereiro. Há um único registro isolado de julho para o norte do RS (que deve ser confirmado, a data da câmera pode estar errada) e um registro de maio para SC. A tendencia geral, no entanto, mostra claramente que a espécie some nos meses mais frios.

No PR há somente um registro para o início de maio, todos os outros são de setembro a abril. Novamente a tendencia se confirma.

Em SP, apesar de manter a forte tendência de registros apenas nos meses quentes, em especial no sul e leste do estado (Campinas inclusive), começam também a aparecer mais registros em maio e até junho, em especial no oeste do estado, região notadamente mais quente. Já em estados como GO e MS, os registros ocorrem o ano todo.



Esses dados sugerem sim que a espécie é de fato migratória na região sul e pelo menos parcialmente migratória em SP e possivelmente RJ e sul de MG, com a grande maioria dos indivíduos deixando a área durante o inverno, provavelmente migrando para o norte ou centro-oeste. Não acredito também que isso seja na verdade um reflexo de um número menor de registros devido ao fato da espécie não vocalizar nos meses frios, pois a maioria das fotos são feitas durante o dia, quando a espécie não vocaliza mesmo. Bom, passo a bola pros biólogos. Eu tenho como quase certo que o urutau é sim migratório nas populações mais ao sul, o que seria o primeiro caso confirmado de migração na família Nyctibiidae, mas, claro, isso deve ser confirmado com estudos mais cuidados.


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