*Leilane Marinho
15 de Abril de 2012
15 de Abril de 2012
Apelidadas de "oportunistas", tilápias têm alta capacidade de proliferação, compete, e em geral, são melhores sucedidas em ambientes alterados e pobres em recursos alimentares. (foto: Jean Vitule)
O bom pescador sabe que quando se fisga uma tilápia é preciso manuseá-la com cuidado. Num piscar de olhos, esse peixe espinhoso e arisco pode ferir a mão com seu dorsal repleto de espinhos pontiagudos.
Apesar de vir da África, trata-se de uma espécie adaptável e rentável para a criação.
Prolifera-se rapidamente e é bem-sucedida em ambientes alterados e pobres em recursos alimentares, como os represamentos de hidrelétricas.
Compará-la com a produção de peixes nativos é o mesmo que trocar ouro por cascalho. Por isso, preocupa a possível aprovação do Projeto de Lei 5.989/09 do deputado Nelson Meurer (PP-PR), que pretende liberar a criação de peixes exóticos como a tilápia e a carpa em tanques-redes de reservatórios hidrelétricos.
Até agora, isso só é permitido em locais onde essas espécies estão comprovadamente estabelecidas. Segundo os pesquisadores, se ele for aprovado, dessa vez a tilápia poderá ferir o próprio ecossistema aquático, reduzindo a biodiversidade em águas doces. A nova proposta altera a Lei nº 11.959/2009 responsável pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca. Ela já tramita em caráter conclusivo na Câmara, podendo ir a plenário nos próximos dias para análise pela
Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Para tentar barrar o projeto de Meurer, especialistas organizaram uma petição pública.
Riscos de invasão
“A tilápia e a carpa estão entre as 100 piores espécies invasoras do mundo”, alerta Dilermando Lima, que pesquisa sobre ecologia aquática na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Ele conta que a introdução de espécies é a segunda maior ameaça para a diversidade biológica mundial, ficando atrás somente da destruição de habitats, e o que é mais grave, “invasões aquáticas são praticamente impossíveis de serem controladas”. Os produtores garantem que a técnica em tanque-rede é segura por impedir que os peixes escapem para fora dos locais de criação. Mas os especialistas negam e afirmam que podem ocorrer escapes de peixes.
Especialista em invasões biológicas em ecossistemas aquáticos, Mario Orsi, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), ressalta que o processo de invasão de espécies na natureza acontece com quantidades pequenas de indivíduos e por isso é lento, pode levar milhões de anos. A ação do homem pode impor ou acelerar brutalmente essas transformações.
Ele acredita que ao abrir as portas para que peixes-exóticos adentrem as bacias hidrográficas nacionais, o projeto de lei de Meurer pode causar um estrago na qualidade biológica dos rios brasileiros. “Ecossistemas inteiros podem ser modificados pela entrada de espécies não nativas e, inclusive, reduzir a biodiversidade. Nos ambientes aquáticos esses efeitos são potencializados e difíceis de serem detectados no início”, lamenta. Orsi aproveita para lembrar que a nova lei vai contra a Convenção sobre Diversidade Biológica (1992), assinada pelo Brasil, que compromete o país a proibir e coibir a invasão de espécies exóticas.
Para piorar, inicialmente o projeto listava cinco espécies exóticas (de tilápias e carpas) que seriam permitidas, mas, depois de revisões, deixou ao encargo do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) determinar quais peixes serão liberados.
“Sabemos que eles querem a tilápia, mas com essa brecha fica ainda mais difícil controlar o que pode entrar nos rios”, diz Fernando Pelicice, do Núcleo de Estudos Ambientais da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Questionado pelo ((o eco)) sobre o projeto, o Ministro da Pesca e Aquicultura, Marcelo Crivella não quis se pronunciar, alegando que o projeto de lei está em “fase de tramitação no Congresso Nacional, podendo sofrer alterações”. Crivella apenas ressaltou que o “MPA tem atuado em conjunto com o Ministério de Meio Ambiente (MMA) e os órgãos ambientais estaduais para o desenvolvimento sustentável da atividade aquícola no país”.
Se já tem, pode piorar?
Apelidadas de oportunistas, tilápias têm alta capacidade de proliferação e, em geral, são melhores sucedidas em ambientes com poucos recursos alimentares. Elas também se alimentam de ovos e larvas de peixes nativos e são transmissoras de doenças que podem afetar outras espécies.
Segundo Pelicice, o maior impacto causado pelas tilápias é a eutrofização (diminuição de oxigênio e poluição da água), o que torna o ambiente desfavorável principalmente para as espécies nativas. Ele também explica que no caso das carpas, o maior problema é a biopertubação. “Elas fuçam demais o fundo das represas movimentando os sedimentos”, esclarece.
Mas para Meurer, o estrago já foi feito. “As tilápias já estão estabelecidas na maioria dos rios brasileiros”, afirma. Portanto, conclui, o problema não seria agravado com a liberação que o seu projeto de lei propõe.
Mas ele é refutado por Pelicice. Uma pesquisa com 77 reservatórios mostrou que as tilápias foram registradas -- diferente de estarem estabelecidas -- em menos de metade dos locais avaliados, conta o pesquisador.
Há três décadas pesquisando sobre ecologia de peixe, Angelo Agostinho, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), relata que durante 20 anos de amostragem no trecho do rio Paraná (entre os reservatórios de Porto Primavera e Itaipu), tilápias jamais foram capturadas.
“Mesmo em Itaipu, onde ela é registrada, não há qualquer evidência de que esteja estabelecida. A introdução de peixes exóticos é uma modalidade de poluição biológica e, como tal, não era de se esperar que novas liberações fossem permitidas, porque o impacto de uma espécie exótica se relaciona à sua abundância”, diz.
Agostinho lembra que nos reservatórios de Barra Bonita, Bariri e Furnas as tilápias já são populações consolidadas e, nestes casos, sua criação é aprovada pela legislação brasileira.
Mais de 85% da produção nacional de peixe é baseada em espécies provindas de outros países e/ou continentes, o que torna o Brasil, proporcionalmente, o maior produtor mundial de espécies não nativas.
Nelson Meurer contra ataca com o argumento de que a produção de tilápias em tanque-rede não ameaça se espalhar pelos rios brasileiros graças aos seus predadores naturais. “Na região Sul, peixes como o lambari também fazem o controle de tilápias comendo seus ovos", diz. Além disso, o deputado afirma que existem técnicas de criação que controlam os riscos. "Pode-se cultivar peixes ‘assexuados’.
Todo mundo sabe disso, não preciso de estudos que comprovem”. Porém, a informação não é exata, peixes são organismos sexuados: são machos ou fêmeas. Fernando Pelicice explica que “existe o fenômeno de reversão sexual, que é a técnica que os criadores empregam para assegurar que todos os peixes tenham o mesmo sexo". Mas afirma que os métodos empregados no Brasil não são totalmente seguros.
Pescado tupiniquim
Mais de 85% da produção nacional de peixe é baseada em espécies provindas de outros países e/ou continentes, o que torna o Brasil, proporcionalmente, o maior produtor mundial de espécies não nativas. Só nos últimos 7 anos (2003-2009) a produção de tilápia dobrou. Segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura, numa estrutura padrão (tanque-rede de pequeno porte) a produtividade da tilápia pode chegar a 200 toneladas por hectare ao ano. O mesmo cultivo com uma espécie nativa não chega a render metade.
No entanto, o professor do departamento de aquicultura da Universidade de Santa Catarina (USC), Evoy Zaniboni, acredita que, se fomentado com tecnologia adequada, o cultivo de espécies nativas poderia ser mais rentável para o produtor.
“Enquanto a tilápia é cultivada em todos os continentes, temos peixes nativos, adaptados as condições ambientais do Brasil e que existem apenas na América do Sul”, lembra Zaniboni. Ele argumenta que peixes nativos teriam um diferencial que poderia levá-los a auferir preços mais altos no mercado.
Observa também que, embora a produção de pescado nativo seja ínfima, pesquisas com peixes como o tambaqui e o híbrido produzido do cruzamento entre o pintado (Pseudoplatystoma fasciatum) e o cachara (Pseudoplatystoma reticulatum) revelam que essas espécies poderão garantir uma produção em grande escala no futuro. Mas para isso é preciso incentivo.
Para Jean Vitule, da Universidade Federal do Paraná, “É importante que o princípio da precaução [proibir espécies exóticas] não seja considerado uma barreira para a aquicultura e o setor produtivo, nem motivo de confrontos”. Ao contrário, afirma, “ele pode ser encarado como um estímulo à descoberta de espécies nativas que possam viabilizar cultivos sustentáveis e sem problemas futuros”;
Motivação do PL do Peixe
Meurer conta que o principal motivo que o levou a propor o projeto de lei foi a escassez de peixe nos locais onde foram construídas usinas hidrelétricas. A liberação do cultivo de peixes exóticos em represas uma questão secundária. “Os pescadores ribeirinhos estão sem ter como pescar. O projeto pretende obrigar os empresários a fazerem essa reposição”, diz. Na ementa da proposta, ao estabelecer a obrigação o deputado inclui a carpa e a tilápia.
“Esse é um grande equívoco praticado principalmente por políticos, que se aproveitam do senso comum da população, a qual acredita que soltar peixes em corpo de água só pode ajudar”, diz Pelicice. “É preferível a ausência de manejo a um manejo equivocado e não passível de monitoramento”.
Angelo Agostinho explica que alevinos produzidos em estações de piscicultura para o repovoamento não são submetidos aos processos seletivos do ambiente, contribuindo para a transferência de genes pouco adaptados ao mundo real da natureza. Portanto, não entende como funcionará o “paliativo” sugerido pelo parlamentar, uma vez que o risco de impactar os estoques naturais é grande e a possibilidade de sucesso de peixamento (aumento da quantidade de peixe) pequena.
“Esse é um grande equívoco praticado principalmente por políticos, que se aproveitam do senso comum da população, a qual acredita que soltar peixes em corpo de água só pode ajudar”, diz Pelicice. “É preferível a ausência de manejo a um manejo equivocado e não passível de monitoramento”.
Angelo Agostinho explica que alevinos produzidos em estações de piscicultura para o repovoamento não são submetidos aos processos seletivos do ambiente, contribuindo para a transferência de genes pouco adaptados ao mundo real da natureza. Portanto, não entende como funcionará o “paliativo” sugerido pelo parlamentar, uma vez que o risco de impactar os estoques naturais é grande e a possibilidade de sucesso de peixamento (aumento da quantidade de peixe) pequena.
“Se o repovoamento for obrigatório como prevê o projeto de lei, a demanda de alevinos será absurda e serão necessárias muitas e grandes estações de pisciculturas, com os problemas inerentes à aquicultura. Além disso, se as matrizes tiverem parentesco a variabilidade genética dos estoques naturais estará em risco, o que na verdade irá prejudicar o ribeirinho”, adverte.
Fonte: O Eco
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